Saturday, December 9, 2017

Engels e Smith: A verdadeira raiz da discussão econômica, e do jogo Direita/esquerda



O grande ponto com a desigualdade, é que como eu já falei aqui, Engels viu isso
quando foi para Inglaterra
. Tanto que o texto das grandes cidades no livro "A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra" foi publicado em 1845. E depois disso toda a obra dele começa a se moldar em torno do comunismo tanto que em 1848 ele vai ser o coautor do manifesto comunista. Mas a grande sacada é que como isso é a raiz da ciência econômica o Adam Smith já estava discutindo isso em 1759.

Mesmo problema com diferentes backgrounds,e diferentes perspectiva gerando diferentes soluções.
Talvez explique um pouco as divisões na academia brasileira.Já que o problema que vemos no Brasil de hoje é muito parecido com o Inglaterra na revolução industrial.





Resumindo pode esquecer Marx, o que de fato interessa é Engels e Smith.Os dois estão olhando pra mesma Inglaterra desigual da revolução.






E sobre aquela coisa de Niterói que eu já tinha posto no primeiro texto dessa série


"Manchester é construída de um modo tão peculiar que podemos residir
nela durante anos, ou entrar e sair diariamente dela, sem jamais ver um
bairro operário ou até mesmo encontrar um operário – isso se nos limitarmos
a cuidar de nossos negócios ou a passear."





 Isso é Engels, no Smith isso aparece na descrição extremamente viva que ele vai fazer do isolamento, que já tá até naquela primeira citação


"The poor man goes out and comes in unheeded"


"O pobre homem saí na rua, e volta sem receber nenhuma atenção" 







Nos pdfs na descrição essa citação sobre manchester se estende da página 88 até a 91, porque ele descreve a imagem.



Sobre o Smith, como nosso debate no Brasil é bastante enviesado é difícil achar material, mas um bom ponto de partida é esse post num blog que funciona como HUB http://economistsview.typepad.com/economistsview/2008/06/adam-smith-on-p.html



+ alguns links http://revistaautoesporte.globo.com/Noticias/noticia/2017/10/land-rover-lanca-versao-hibrida-do-range-rover-sport.html



http://revistaautoesporte.globo.com/Noticias/noticia/2016/01/lada-niva-deve-chegar-em-2018.html



PDF's do Engels e do Smith (Vai aparecer, um erro na tela, mas tem o botão de Download)

 https://goo.gl/nGaANW





Friday, December 8, 2017

Desigualdade e suas proxies: Perspectiva de vida ao nascer



Da série traduções informais, não autorizadas, e não solicitadas












De acordo com um novo relatório de desigualdade na cidade de
São Paulo compilado pela Rede Nossa São Paulo (link do relatório é de origemBR), a distância na idade média para morte nos bairros mais ricos e mais pobres
na cidade de São Paulo é de quase 24 anos. Por exemplo a idade média para morte
no Jardim Paulista é de 79,4 anos. Enquanto que no Jardim Ângela é de apenas
55,7 anos.





Isso não deveria vir como surpresa na medida em que o Brasil
é um dos países mais desiguais no planeta (Nota trad: Ele usou “planet” mesmo).












De qualquer forma, não vamos esquecer que os EUA é também
caracterizado por leveis de desigualdade, que são comparáveis aos do Brasil: Em
2014 o top 1 % dos americanos ficou com 20,2% da renda antes de qualquer
imposto, enquanto que no Brasil esse número foi de 27,6%. Talvez ainda mais
assustador seja a percentagem do “bottom 50%” (os 50% mais pobres) que era de apenas 12,5% nos dois países em 2014. No Brasil esse número está
crescendo (renda aumentando), e nos EUA caindo (renda caindo).





Os leveis obscenos de desigualdade, trouxeram os EUA para
uma expectativa de vida no momento do nascimento, que é menor que aquela na
maioria dos outros países de renda alta. E a expectativa é que continue caindo
(o que é negativo/ruim).

















































No caso dos dois países, os pobres vão continuar morrendo
cedo até que as causas econômicas da desigualdade sejam eliminadas.


Wednesday, December 6, 2017

Criando gatilhos para o processo de inclusão social









Bom eu já falei sobre a dimensão mais cruel da psicologia, que emerge de um quadro intenso de desigualdade.



Aqui http://www.cinemaecia.com/2017/12/a-psicologia-da-desigualdade-no-brasil.html



Mas tem um outro aspecto que é interessante, quando copiamos um sistema de leis que foi feito para uma dinâmica social diferente da vigente no Brasil, isso gera um efeito no qual os agentes não conseguem internalizar a lógica do sistema. E por internalizar o que quero dizer é que ninguém entende como o sistema funciona.



O exemplo mais óbvio disso é essa discussão sem sentido em torno da previdência. Da qual eu já falei aqui



http://www.cinemaecia.com/2017/10/cpi-da-previdencia-piada-do-seculo.html



A previdência brasileira é uma cópia do modelo Alemão, só que na Alemanha todo mundo tem renda então principio da solidariedade, onde todo mundo paga quanto pode faz sentido. No Brasil seria necessário pensar em algo que abarcasse o fato das pessoas não terem renda. Até porque é só assim que você começa a incluir os excluídos. No nosso modelo de seguridade social hoje, essa cópia zoada dos modelos europeus, a gente não tem clara a dimensão da co-responsabilidade, que é vital para manter um sistema aceitável de proteção social funcionando sem a necessidade de um agente central na figura do governo. Que é o caso do sistema alemão.







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A algum tempo eu fiz um material sobre o setor de saúde no Brasil que você encontra aqui

Essa imagem acima é um dos slides



Nesse slide tem um detalhe interessante. Reparou que o gasto privado em saúde é maior que o público...mas ainda assim 75% da população depende do público(que gasta menos). Basicamente uma parcela de 25% dos segurados tem um gasto em saúde maior do que aquele destinado aos outros 75%. (que gasta menos). Basicamente uma parcela de 25% dos segurados tem um gasto em saúde maior do que aquele destinado aos outros 75%.Enfim, seria interessante tratar esses dados, para encontrar a intersecção, ou se você preferir...quem se divide entre o público e o privado.

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O Brasil é um país em que você já tem uma intensa estrutura privada no sistema de saúde, então a grande pergunta é como criar uma lógica sistêmica que se auto-mantenha,em que todos saiam ganhado com sua operação. E aqui o que pode não estar ficando claro, é que o sistema de saúde faz parte dos sistemas de seguridade social (no contexto alemão), na verdade boa parte da confusão em torno da previdência parte desse limite entre a saúde e a previdência.No caso brasileiro ainda tem uns penduricalhos...Até porque estamos numa coisa estranha entre o modelo alemão e o NHS britânico.



No caso eu estou embasando essa discussão no texto



O sistema de seguro-doença obrigatório - Fundamentos do setor de saúde alemão (Karsten Schroder)



Um textinho difícil de achar pelas internet's...mas fazer o que? Achados da BEC-UFF



No geral o texto, é um dos mais eficientes em termos de organizar uma ideia nessa linha, pra além desses relatórios non-sense de BSB(com algumas boas excessões como o do TCU)...e já serve pra começar a repensar clickbaits baratos como esse









Em última instância, essa dimensão da co-responsabilidade, que emerge quando os agentes são regulados sob uma lógica que lhes é natural é que vai ser chave para gerar inclusão. O agente deve ter autonomia, e principalmente ter a sensação de que tem autonomia, e isso só se consegue com dimensão da Co-responsabilidade. E não tem muito espaço para co-responsabilidade quando o papai estado cuida de tudo.










A ideia, é que a vantagem das ciências sociais sobre a física, surge na perspectiva em que a energia não vai se dissipar, então é possível criar um sistema capaz de se auto-manter, é só uma questão de reconhecer o real interesse dos agentes,  e jogar com isso pra criar um sistema capaz de se auto-manter.








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Essa lógica opera junto com a do primeiro texto na medida em que a longa distância entre as bolhas sociais gera um contexto de "não adianta" (expresso na fala em destaque no texto do Fonseca), então a perspectiva é tentar contornar isso com a figura da co-responsabilidade 












Tuesday, December 5, 2017

A psicologia da desigualdade no Brasil


O Brasil tá agora nesse Oba-oba de livre mercado onde aparecem comentários como esse













Mas o ponto é que esse País é de fato muito desigual, só que isso não vai ficar muito claro para o agente que esteja fora dos grandes centros, até porque você tem a dimensão da bolha social. Mas vamos dar uma olhada numa cidade que só agora tá começando a formar um quadro de desigualdade.




Rondonópolis, eu já falei dela aqui Mato Grosso: O self-Made Man Brasileiro , só que o que não ficou muito claro nesse primeiro texto, é o modo como  a cidade consegue nesse momento ter um quadro de desigualdade aceitável, que é o que se pode ver nessa imagem.  Afinal nos nos bairros mais caros você enxerga os imóveis custando de 10 a 50 vezes, o preço de um imóvel num bairro mediano, e por mediano eu me remeto a essa imagem que o André Perfeito trouxe a um tempo







A cidade tem algumas peculiaridades, como o fato de universidades como a Anhaguera e a Unic terem mais tradição do que a Federal. Na medida em que os que os cursos com maiores salários (Engenharias, Economia,Medicina) só se iniciam a partir de 2010 (Reuni) na UFMT. Então boa parte das elites locais ou se origina dessas universidades, ou vem de outros estados, como eu já falei aqui  Mato Grosso: O self-Made Man Brasileiro .





Mas agora como esse país é uma zona, vamos olhar o que acontece nos extremos, no caso o pior do Brasil, mas isso também vai acontecer em diferentes mediadas por todo o resto dessa zorra chamada Brasil. No caso, o que se deve ter em mente nessa análise, é o gráfico de salários acima, e o que é pagável dentro dessa média?










Perceba que em Rondonópolis, uma classe média consegue uma boa casa na linha dos 300k, num ótimo endereço para os padrões da cidade, no Rio é fácil indagar qual é a definição de classe média?. Assumindo novamente um valor razoável de 100-200k,  aquele coeficiente vai agora estar entre 100 e 200. Talvez um bom modo de olhar para essa proporção é se questionar qual o valor aceitável dela. 








Em última instância, somando essa ideia com toda a discussão de bolha social hoje no mundo. Tem duas ideias que vão explicar a dimensão psicológica que o André Perfeito propôs





esses aqui 





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Antes que você abandone o texto por aqui,  as imagens acima estão aqui na forma de pdf, dá pra dar um zoom melhor  https://www.dropbox.com/s/pqgwthtgzopcmrt/CECIA_DR_PARENTE.pdf?dl=0


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"Rio de Janeiro

dependendo da renda média dos locais que você frequenta, pode ser uma cidade pequena em que todo mundo se conhece.
Ou uma metropóle gigantesca, com 6 milhões de habitantes onde ninguém 
conhece ninguém."









 E essa outra crônica do Rubem Fonseca









"





Feliz Ano Novo




Rubem Fonseca



Vi na televisão que as lojas bacanas estavam vendendo adoidado roupas ricas para as madames vestirem no reveillon. Vi também que as casas de artigos finos para comer e beber tinham vendido todo o estoque.

Pereba, vou ter que esperar o dia raiar e apanhar cachaça, galinha morta e farofa dos macumbeiros. 

Pereba entrou no banheiro e disse, que fedor.

Vai mijar noutro lugar, tô sem água.

Pereba saiu e foi mijar na escada.

Onde você afanou a TV, Pereba perguntou.

Afanei, porra nenhuma. Comprei. O recibo está bem em cima dela. Ô Pereba! você pensa que eu sou algum babaquara para ter coisa estarrada no meu cafofo?

Tô morrendo de fome, disse Pereba.

De manhã a gente enche a barriga com os despachos dos babalaôs, eu disse, só de sacanagem.

Não conte comigo, disse Pereba. Lembra-se do Crispim? Deu um bico numa macumba aqui na Borges de Medeiros, a perna ficou preta, cortaram no Miguel Couto e tá ele aí, fudidão, andando de muleta.

Pereba sempre foi supersticioso. Eu não. Tenho ginásio, sei ler, escrever e fazer raiz quadrada. Chuto a macumba que quiser.

Acendemos uns baseados e ficamos vendo a novela. Merda. Mudamos de canal, prum bang-bang, Outra bosta.

As madames granfas tão todas de roupa nova, vão entrar o ano novo dançando com os braços pro alto, já viu como as branquelas dançam? Levantam os braços pro alto, acho que é pra mostrar o sovaco, elas querem mesmo é mostrar a boceta mas não têm culhão e mostram o sovaco. Todas corneiam os maridos. Você sabia que a vida delas é dar a xoxota por aí?

Pena que não tão dando pra gente, disse Pereba. Ele falava devagar, gozador, cansado, doente.

Pereba, você não tem dentes, é vesgo, preto e pobre, você acha que as madames vão dar pra você? Ô Pereba, o máximo que você pode fazer é tocar uma punheta. Fecha os olhos e manda brasa.

Eu queria ser rico, sair da merda em que estava metido! Tanta gente rica e eu fudido.

Zequinha entrou na sala, viu Pereba tocando punheta e disse, que é isso Pereba?

Michou, michou, assim não é possível, disse Pereba.

Por que você não foi para o banheiro descascar sua bronha?, disse Zequinha.

No banheiro tá um fedor danado, disse Pereba. Tô sem água.

As mulheres aqui do conjunto não estão mais dando?, perguntou Zequinha. 

Ele tava homenageando uma loura bacana, de vestido de baile e cheia de jóias.

Ela tava nua, disse Pereba.

Já vi que vocês tão na merda, disse Zequinha.

Ele tá querendo comer restos de Iemanjá, disse Pereba.

Brincadeira, eu disse. Afinal, eu e Zequinha tínhamos assaltado um supermercado no Leblon, não tinha dado muita grana, mas passamos um tempão em São Paulo na boca do lixo, bebendo e comendo as mulheres. A gente se respeitava.

Pra falar a verdade a maré também não tá boa pro meu lado, disse Zequinha. A barra tá pesada. Os homens não tão brincando, viu o que fizeram com o Bom Crioulo? Dezesseis tiros no quengo. Pegaram o Vevé e estrangularam. O Minhoca, porra! O Minhoca! crescemos juntos em Caxias, o cara era tão míope que não enxergava daqui até ali, e também era meio gago - pegaram ele e jogaram dentro do Guandu, todo arrebentado.

Pior foi com o Tripé. Tacaram fogo nele. Virou torresmo. Os homens não tão dando sopa, disse Pereba. E frango de macumba eu não como.

Depois de amanhã vocês vão ver. Vão ver o que?, perguntou Zequinha.

Só tô esperando o Lambreta chegar de São Paulo.

Porra, tu tá transando com o Lambreta?, disse Zequinha.

As ferramentas dele tão todas aqui.

Aqui!?, disse Zequinha. Você tá louco.

Eu ri.

Quais são os ferros que você tem?, perguntou Zequinha. Uma Thompson lata de goiabada, uma carabina doze, de cano serrado, e duas magnum.

Puta que pariu, disse Zequinha. E vocês montados nessa baba tão aqui tocando punheta?

Esperando o dia raiar para comer farofa de macumba, disse Pereba. Ele faria sucesso falando daquele jeito na TV, ia matar as pessoas de rir.

Fumamos. Esvaziamos uma pitu.

Posso ver o material?, disse Zequinha.

Descemos pelas escadas, o elevador não funcionava e fomos no apartamento de Dona Candinha. Batemos. A velha abriu a porta.

Dona Candinha, boa noite, vim apanhar aquele pacote.

O Lambreta já chegou?, disse a preta velha.

Já, eu disse, está lá em cima.

A velha trouxe o pacote, caminhando com esforço. O peso era demais para ela. Cuidado, meus filhos, ela disse.

Subimos pelas escadas e voltamos para o meu apartamento. Abri o pacote. Armei primeiro a lata de goiabada e dei pro Zequinha segurar. Me amarro nessa máquina, tarratátátátá!, disse Zequinha.

É antiga mas não falha, eu disse. 

Zequinha pegou a magnum. Jóia, jóia, ele disse. Depois segurou a doze, colocou a culatra no ombro e disse: ainda dou um tiro com esta belezinha nos peitos de um tira, bem de perto, sabe como é, pra jogar o puto de costas na parede e deixar ele pregado lá.

Botamos tudo em cima da mesa e ficamos olhando. Fumamos mais um pouco.

Quando é que vocês vão usar o material?, disse Zequinha.

Dia 2. Vamos estourar um banco na Penha. O Lambreta quer fazer o primeiro gol do ano. 

Ele é um cara vaidoso, disse Zequinha.

É vaidoso mas merece. Já trabalhou em São Paulo, Curitiba, Florianópolis, Porto Alegre, Vitória, Niterói, pra não falar aqui no Rio. Mais de trinta bancos.

É, mas dizem que ele dá o bozó, disse Zequinha.

Não sei se dá, nem tenho peito de perguntar. Pra cima de mim nunca veio com frescuras.

Você já viu ele com mulher?, disse Zequinha.

Não, nunca vi. Sei lá, pode ser verdade, mas que importa?

Homem não deve dar o cu. Ainda mais um cara importante como o Lambreta, disse Zequinha.

Cara importante faz o que quer, eu disse.

É verdade, disse Zequinha.

Ficamos calados, fumando.

Os ferros na mão e a gente nada, disse Zequinha.

O material é do Lambreta. E aonde é que a gente ia usar ele numa hora destas?

Zequinha chupou ar fingindo que tinha coisas entre os dentes. Acho que ele também estava com fome.

Eu tava pensando a gente invadir uma casa bacana que tá dando festa. O mulherio tá cheio de jóia e eu tenho um cara que compra tudo que eu levar. E os barbados tão cheios de grana na carteira. Você sabe que tem anel que vale cinco milhas e colar de quinze, nesse intruja que eu conheço? Ele paga na hora.

O fumo acabou. A cachaça também. Começou a chover. Lá se foi a tua farofa, disse Pereba.

Que casa? Você tem alguma em vista?

Não, mas tá cheio de casa de rico por aí. A gente puxa um carro e sai procurando. 

Coloquei a lata de goiabada numa saca ele feira, junto com a munição. Dei uma magnum pro Pereba, outra pro Zequinha. Prendi a carabina no cinto, o cano para baixo e vesti uma capa. Apanhei três meias de mulher e uma tesoura. Vamos, eu disse.

Puxamos um Opala. Seguimos para os lados de São Conrado. Passamos várias casas que não davam pé, ou tavam muito perto da rua ou tinham gente demais. Até que achamos o lugar perfeito. Tinha na frente um jardim grande e a casa ficava lá no fundo, isolada. A gente ouvia barulho de música de carnaval, mas poucas vozes cantando. Botamos as meias na cara. Cortei com a tesoura os buracos dos olhos. Entramos pela porta principal. 

Eles estavam bebendo e dançando num salão quando viram a gente.

É um assalto, gritei bem alto, para abafar o som da vitrola. Se vocês ficarem quietos ninguém se machuca. Você aí, apaga essa porra dessa vitrola!

Pereba e Zequinha foram procurar os empregados e vieram com três garções e duas cozinheiras. Deita todo mundo, eu disse.

Contei. Eram vinte e cinco pessoas. Todos deitados em silêncio, quietos, como se não estivessem sendo vistos nem vendo nada.

Tem mais alguém em casa?, eu perguntei.

Minha mãe. Ela está lá em cima no quarto. É uma senhora doente, disse uma mulher toda enfeitada, de vestido longo vermelho. Devia ser a dona da casa.

Crianças?

Estão em Cabo Frio, com os tios.

Gonçalves, vai lá em cima com a gordinha e traz a mãe dela.

Gonçalves?, disse Pereba.

É você mesmo. Tu não sabe mais o teu nome, ô burro? Pereba pegou a mulher e subiu as escadas.

Inocêncio, amarra os barbados.

Zequinha amarrou os caras usando cintos, fios de cortinas, fios de telefones, tudo que encontrou.

Revistamos os sujeitos. Muito pouca grana. Os putos estavam cheios de cartões de crédito e talões de cheques. Os relógios eram bons, de ouro e platina. Arrancamos as jóias das mulheres. Um bocado de ouro e brilhante. Botamos tudo na saca.

Pereba desceu as escadas sozinho.

Cadê as mulheres?, eu disse.

Engrossaram e eu tive que botar respeito.

Subi. A gordinha estava na cama, as roupas rasgadas, a língua de fora. Mortinha. Pra que ficou de flozô e não deu logo? O Pereba tava atrasado. Além de fudida, mal paga. Limpei as jóias. A velha tava no corredor, caída no chão. Também tinha batido as botas. Toda penteada, aquele cabelão armado, pintado de louro, de roupa nova, rosto encarquilhado, esperando o ano novo, mas já tava mais pra lá do que pra cá. Acho que morreu de susto. Arranquei os colares, broches e anéis. Tinha um anel que não saía. Com nojo, molhei de saliva o dedo da velha, mas mesmo assim o anel não saía. Fiquei puto e dei uma dentada, arrancando o dedo dela. Enfiei tudo dentro de uma fronha. O quarto da gordinha tinha as paredes forradas de couro. A banheira era um buraco quadrado grande de mármore branco, enfiado no chão. A parede toda de espelhos. Tudo perfumado. Voltei para o quarto, empurrei a gordinha para o chão, arrumei a colcha de cetim da cama com cuidado, ela ficou lisinha, brilhando. Tirei as calças e caguei em cima da colcha. Foi um alívio, muito legal. Depois limpei o cu na colcha, botei as calças e desci.

Vamos comer, eu disse, botando a fronha dentro da saca. Os homens e mulheres no chão estavam todos quietos e encagaçados, como carneirinhos. Para assustar ainda mais eu disse, o puto que se mexer eu estouro os miolos.

Então, de repente, um deles disse, calmamente, não se irritem, levem o que quiserem não faremos nada.

Fiquei olhando para ele. Usava um lenço de seda colorida em volta do pescoço.

Podem também comer e beber à vontade, ele disse.

Filha da puta. As bebidas, as comidas, as jóias, o dinheiro, tudo aquilo para eles era migalha. Tinham muito mais no banco. Para eles, nós não passávamos de três moscas no açucareiro.

Como é seu nome?

Maurício, ele disse.

Seu Maurício, o senhor quer se levantar, por favor?

Ele se levantou. Desamarrei os braços dele.

Muito obrigado, ele disse. Vê-se que o senhor é um homem educado, instruído. Os senhores podem ir embora, que não daremos queixa à polícia. Ele disse isso olhando para os outros, que estavam quietos apavorados no chão, e fazendo um gesto com as mãos abertas, como quem diz, calma minha gente, já levei este bunda suja no papo. 
Inocêncio, você já acabou de comer? Me traz uma perna de peru dessas aí. Em cima de uma mesa tinha comida que dava para alimentar o presídio inteiro. Comi a perna de peru. Apanhei a carabina doze e carreguei os dois canos.

Seu Maurício, quer fazer o favor de chegar perto da parede? Ele se encostou na parede. Encostado não, não, uns dois metros de distância. Mais um pouquinho para cá. Aí. Muito obrigado.

Atirei bem no meio do peito dele, esvaziando os dois canos, aquele tremendo trovão. O impacto jogou o cara com força contra a parede. Ele foi escorregando lentamente e ficou sentado no chão. No peito dele tinha um buraco que dava para colocar um panetone.

Viu, não grudou o cara na parede, porra nenhuma.

Tem que ser na madeira, numa porta. Parede não dá, Zequinha disse.

Os caras deitados no chão estavam de olhos fechados, nem se mexiam. Não se ouvia nada, a não ser os arrotos do Pereba.

Você aí, levante-se, disse Zequinha. O sacana tinha escolhido um cara magrinho, de cabelos compridos.

Por favor, o sujeito disse, bem baixinho. Fica de costas para a parede, disse Zequinha. 
Carreguei os dois canos da doze. Atira você, o coice dela machucou o meu ombro. Apóia bem a culatra senão ela te quebra a clavícula.

Vê como esse vai grudar. Zequinha atirou. O cara voou, os pés saíram do chão, foi bonito, como se ele tivesse dado um salto para trás. Bateu com estrondo na porta e ficou ali grudado. Foi pouco tempo, mas o corpo do cara ficou preso pelo chumbo grosso na madeira. 

Eu não disse? Zequinha esfregou ó ombro dolorido. Esse canhão é foda.

Não vais comer uma bacana destas?, perguntou Pereba.

Não estou a fim. Tenho nojo dessas mulheres. Tô cagando pra elas. Só como mulher que eu gosto.

E você... Inocêncio?

Acho que vou papar aquela moreninha.

A garota tentou atrapalhar, mas Zequinha deu uns murros nos cornos dela, ela sossegou e ficou quieta, de olhos abertos, olhando para o teto, enquanto era executada no sofá.

Vamos embora, eu disse. Enchemos toalhas e fronhas com comidas e objetos.

Muito obrigado pela cooperação de todos, eu disse. Ninguém respondeu.

Saímos. Entramos no Opala e voltamos para casa.

Disse para o Pereba, larga o rodante numa rua deserta de Botafogo, pega um táxi e volta. Eu e Zequinha saltamos.

Este edifício está mesmo fudido, disse Zequinha, enquanto subíamos, com o material, pelas escadas imundas e arrebentadas.

Fudido mas é Zona Sul, perto da praia. Tás querendo que eu vá morar em Vilópolis? 

Chegamos lá em cima cansados. Botei as ferramentas no pacote, as jóias e o dinheiro na saca e levei para o apartamento da preta velha.

Dona Candinha, eu disse, mostrando a saca, é coisa quente.

Pode deixar, meus filhos. Os homens aqui não vêm. 

Subimos. Coloquei as garrafas e as comidas em cima de uma toalha no chão. Zequinha quis beber e eu não deixei. Vamos esperar o Pereba.

Quando o Pereba chegou, eu enchi os copos e disse, que o próximo ano seja melhor. Feliz Ano Novo.



Texto extraído do livro "Feliz Ano Novo", Editora Artenova – Rio de Janeiro, 1975, pág."





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Chegou até aqui? Então vamos a parte divertida, ou triste... Não tem nada de novo nisso. O Engels, fez uma visita a Inglaterra da revolução industrial... e mesmo sendo o Engels, o livro faz uma leitura bem viva das configurações urbanas da desigualdade.





Em um momento ele chega a falar de uma cidade britânica dessa fase, em  que dependendo do seu CEP, você poderia facilmente passar a vida inteira entrando e saindo da cidade, sem ver um traço sequer de pobreza, mesmo ela estando por todos os lados.











Pois agora saca essa favela de Niterói....










Não é exatamente isso?





O livro do Engels é o A Situação da Classe Trabalhadora na Inglaterra (Capítulo: As grandes cidades) se tiver interesse, lê sem pensar que é do Engels, o livro é bem direto, sem essa coisa prolixa que a gente tem nessas terras tupiniquins.




A dimensão psicológica já tá bem clara no texto do Fonseca.





Bem Vindo ao Brasil.





***


No geral, é só isso que é, tentei não julgar se tá certo ou errado.




***

Pensando em uma solução, que vai passar pelo fato de que essa longa distância entre as bolhas sociais gera um contexto de "não adianta" (expresso na fala em destaque no texto do Fonseca), então a perspectiva é tentar contornar isso com a figura da co-responsabilidade 



http://www.cinemaecia.com/2017/12/criando-gatilhos-para-o-processo-de.html


The tissue of social relations in Brazil and economic complexity

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