Eu sigo interessado em inteligência militar (desse nome vem os military
intelligences [MI1,5,6...n] britânicos) de modo geral. Guiado por uma
curiosidade quanto a origens e perfil organizacional do SNI, e certa preguiça
literária, decidi assistir 1964 do Brasil Paralelo.
De modo geral o filme foi
bem inútil no que se refere a responder minhas perguntas, mas foi uma experiência até que interessante, no sentido de entender os limites que existiram na comunicação de massa durante
a epifania bolsonarista que o Brasil viveu, foi interessante. Considerando que buscava uma
perspectiva mais Brilhante Ustra, encontrei pesquisa de Wikipédia e falta de
contextualização histórica.
Muito do argumento na narrativa gira em torno de relatórios do
serviço secreto Czech...legal, mas para além da trilha sonora de suspense,
percebe-se um vazio argumentativo quando se fala de entender o operacional de inteligência
militar...lá pelas tantas o Olavo de Carvalho fala que não há registros de
agentes do país X ou Y no Brasil, o cara deve tá achando que espião tem que ter
carteirinha com assinatura autenticada em cartório.
Outro ponto interessante, muito da coleta de informação que
hoje se faz online com acompanhamento de noticiário, na época era feita com
operativos no local...então dependendo do país e do perfil da agência, era uma
boa oportunidade pra viajar o mundo as custas do governo entregando relatórios
com certa regularidade. Somando isso com a imagem de Brasil no mundo nessa época (auge da Carmen Miranda), o que não devia faltar era espião por aqui.
E sobre o serviço secreto Czech, diferente da KGB, eles não
tinham um bom trackrecord de eficiência. Até tentei achar algum relato sobre (5
min no Google): Depois que a embaixada soviética na Australia foi fechada, a
estrutura czech pode ter sido usada como fachada pra KGB, mas até isso é bem
incerto.
Enfim, o filme promete bem mais do que entrega, e o que entrega
é questionável, de qualquer forma a experiência foi válida.
Dado que no Brasil é
comum ver debates sem sentido, nos quais os debatedores não entendem ou sequer
conhecem as referências alheias. Porém o debate coletivo só avança produtivamente se você é capaz de manusear os argumentos com
os quais o outro está acostumado.
Fica mais fácil direcionar
a discussão de acordo com os seus interesses...Olha essa indústria de thinktank
nos EUA, só existe para existe para subsidiar o lobby e a imprensa com argumentos
que se adequem a um determinado grupo de interesses, mas ainda é valida já que
subsidia um espaço intermediário entre o acadêmico e o corporativo.
Essa coisa de saber como alguém pensa, para guiar a discussão
de acordo com os seus interesses dentro dos argumentos que o interlocutor está
acostumado a usar é crucial, para guiar a narrativa e/ou o debate midiático.
A manipulação de argumentos me soa mais produtiva que essa coisa “meu autor é melhor que
o seu”, que marca o debate econômico brasileiro.
Sobre a minha pergunta inicial quanto ao SNI acabei num
texto do CPDOC (Mônica Kornis), na sequência alguns pontos interessantes:
‘’ O SNI era uma peça do sistema nacional de
informações, integrado ainda pelos sistemas setoriais de informações dos
ministérios civis e militares e pelo sistema de informações estratégicas
militares. As forças armadas possuíam também seus serviços de informações, a
saber, o Centro de Informações da Marinha (Cenimar), o Centro de Informações do
Exército (Ciex) e o Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA). Além destes, dedicavam-se aos serviços de
informações os departamentos de ordem política e social das secretarias de
Segurança dos estados e do Departamento de Polícia Federal. A dotação
orçamentária do SNI para o ano de 1981 teria sido de cerca de setecentos
milhões de cruzeiros, incluídas as despesas sigilosas.’’
‘’ O setor
internacional da Seção de Análise de Informações ganhou importância a partir de 1973,
quando o governo federal constatou que o fluxo normal de relatórios das
embaixadas não foi suficiente para suprir o Executivo de dados que permitissem
avaliar a extensão do dano causado pela crise do preço do petróleo, que para o Brasil representou um aumento de
dez vezes, provocando um grande impacto na economia do país. Visando
sanar esta deficiência, o SNI arregimentou um seleto corpo de elite, o dos
agentes especiais — entre os quais havia militares, economistas, psicólogos,
analistas de sistemas, engenheiros e diplomatas — destinado a atuar
principalmente no exterior, cumprindo missões sempre secretas. Entre 1982 e 1988 havia agentes especiais
atuando em Paris, Roma, Bonn, Londres, Washington, Bagdá, Trípoli, Riad,
Montevidéu, Buenos Aires, Paramaribo e em cidades-sede de organismos
internacionais, como Bruxelas (OTAN), Genebra (várias agências da ONU) ou Viena
(Agência Internacional de Energia Atômica). Todos eles eram fundamentais, a
rigor, para vários programas estratégicos brasileiros do tipo levado
em diante pelo Ministério da Marinha, sob grossa capa de sigilo, e que deu ao país o acesso ao
ciclo nuclear completo com tecnologia própria, independente. Contudo, a vida funcional da equipe permanece nebulosa e
em 1990, com a
criação da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) no governo de Fernando
Collor de Melo (1990-1992), desapareceu a relação de nomes, ou mesmo o código
que identificava entre os funcionários os integrantes do grupo de
agentes especiais.’’
“A resistência do órgão
em colaborar com iniciativas conduzidas por outros ministérios contribuiu para
reforçar a ideia de que o SNI representava uma parte significativa do
chamado “entulho do autoritarismo” herdado do ciclo militar. Neste sentido,
destaca-se a aprovação da Lei do Direito de Acesso à Informação ou o Habeas Data,
que proibia as autoridades de recusar qualquer informação pública aos
interessados, iniciativa conduzida pelo ministro da Justiça Fernando Lyra. O instrumento jurídico que garante o acesso a
informações pessoais constantes de banco de dados ou registros de entidades
governamentais ou privadas foi assegurado pela promulgação da Constituição de
1988 pelo seu artigo 5º. Contudo, segundo a imprensa, o SNI teria preparado um arquivo
paralelo que teria sido transferido para o Centro de Informações do Exército
(Ciex), numa tentativa de evitar que determinadas informações viessem a
conhecimento público.”
‘’Durante o governo Sarney foi
criado ainda o Fundo Especial do Serviço Nacional de Informações, regido por parte da legislação que havia criado
o Fundo do Exército em 1965. Esta decisão que fortalecia o SNI determinava que o
fundo seria administrado pelo ministro do órgão e que os seus recursos poderiam
ser aplicados no mercado financeiro.’’
‘’... o quadro de funcionários do SNI era composto de civis e militares
na proporção de 62% de civis, 26% de militares da ativa e 12% de militares da
reserva. Esses funcionários dividiam-se, entre outras categorias, em
especialistas em movimento sindical, especialistas em movimento estudantil e
especialistas em movimentos da Igreja...''
Perguntas:
O imaginário popular sobre o SNI reflete o que era o SNI ou
se confunde com outras instituições tipo Polícia do exército? Se os dados são
reais, reflete uma instituição civil nos moldes da inteligência americana.
Brasil sendo Brasil quando as pessoas não sabiam quem culpar,se atribuia isso ao SNI, ou essas atribuições eram fundamentadas?
Quem treinou o SNI? O Brasil, pela palestra "The CIA and the CovertCold War" - Lecture by David Robarge - YouTube não aparece no roll de “cover ops” do período reconhecidos
pela CIA [declassified], e pelo menos no papel há algumas similaridades na
estrutura. Talvez oriundas de outras fontes como intercâmbio entre escolas
militares, ou cooperação com outros setores do governo americano.
Nessa pergunta específica, eu checaria o histórico de pessoas chave na formação do SNI...descobrir quem são
essas pessoas, e tentar achar os currículos é uma outra confusão.
Nomes ligados ao
SNI, tem vários, saber quais são de fato relevantes é outra questão.
Update: Pelos depoimentos da Comissão da Verdade, dá pra inferir que embora tenha havido intel externa a nível de SNI(alto oficialato), é mais provavel que a cultura na base da coleta de informações feita pelo exército no CIE ( Centro de Inteligência do Exército)(principalmente praças e médio oficialato) tenha tido o modelo de p2 da PM e policias locais em geral como referência principal principalmente PMERJ, PMESP e as civis.Isso já vinha como resquício das estruturas de intel do governo Vargas (DOPS). A confiabilidade das informações obtidas nesse modelo, tende a ser consideravelmente frágil, e dá margem ao quadro da casa de Petropólis...e ainda nos dias de hoje, qualquer edição do Jornal O São Gonçalo.
Depoimento que aborda as estruturas de intel BRs Pro que eu tava procurando as primeiras 15 pags são chave. (texto com meus destaques )
Nos depoimentos tem relatos de circulação de relatórios de intel originários de US, UK e Israel, mas é uma menção breve com tom de curiosidade distante. Acontece em 13m30s
Depoimento do coronel Paulo Malhães, ex-agente do CIE - parte 1/2 - YouTube
Detalhe interessante pra pensar o Brasil, é que a PMERJ é a primeira força a ser estabelecida,na guerra do Paraguai os quadros experientes vinham das PMs,e através delas se organizou o Corpos de Voluntários e complementação dos efetivos do Exército.
Esse modelo de intel desenvolvimento pro crime urbano BR acabou exportado pela América Latina, talvez a atuação brasileira seja até o missing point pro covert da CIA que falhou no Chile. "The CIA and the CovertCold War" - Lecture by David Robarge - YouTube
''Marival Chaves Dias do Canto – Além do Fleury, o DOI, digamos assim, adquiriu experiência no embate do dia a dia, não há dúvida nenhuma quanto a isso aí. Mas ele teve o embasamento da Polícia Civil de São Paulo, através especialmente de Fleury. Fleury, Tuma, e todo esse pessoal aí, né? Pessoal que dirigiu esse tipo de trabalho lá. Infiltrado, por exemplo, como eu disse, vem do Fleury, vem da figura dele, ele é que instituiu isso aí voltado para o crime comum e depois aproveitou para repressão política.''
O SNI nasceu errado tentado botar no mesmo guarda chuva Intel
interna externa? São arcabouços regulatórios bem diferentes.
Update:Considerando a resposta anterior, se torna irrelevante.
O que aconteceu com esse fundo?
Perguntas pra além desse texto:
O sistema de arapongas voluntários, me parece propenso a dar a problema.
As informações geradas no sistema eram confiáveis?Qual era o processo e o rigor da verificação?
Update: Conclusão
Esquerda e direita questionam se existia ameaça comunista... pelo operacional da época em que todo mundo era araponga, bastava uma richa de vizinhos pra alguém virar alvo. Verificação, ou qualquer checks and balances na base de arapongas inexistia.
Parece mais uma questão de ser enquadrado como 'subversivo', e isso tinha um significado variável.
Minha ideia inicial era procurar um racional preciso, pra justificar qualquer contrainteligencia dos militares. Tipo os tubos de aluminio e o yellow cake no lançe do Iraq (da Valerie Plame)...mas pelos argumentos vagos de uma ideológia distante que o Malhães demonstra pra se justificar..essa preocupação não existia.Logo pura irracionalidade.
Sobre o SNI,algum grau de conexão externa houve e se reflete na descrição da ESNI(Escola Nacional de Intel), a proposta do SNI era boa, mas estava sendo alimentada com informação ruim da base de arapongas em cada força. Deve ter gerado uma grana pra IBM ou Bell Labs.
No mais, um sistema de intel ruim, gerou um ciclo retroalimentável de resistência.
E tem essa coisa coisa do alto oficialato ver uma coisa, e os praças fazerem outra. Outro ponto é que Marinha(CENIMAR) e FAB(CISA) não adotavam a mesma metodológia ''ciêntifica''/operacional do CIE,o que não necessariamente lhes atribuí maior grau de confiabilidade no information gathering, de todo modo o CIE parece ser a peça central na engrenagem de intel do periodo.
Possiveis contrapontos:
Pode ser que em alguma ocasião especifica tenha havido um racional bom, mas pela estrutura frágil da base de intel gathering, isso parece mais excessão do que regra.
Seria interesante checar nas origens do DOPS alguma conexão com o FBI de J. Edgar Hoover, mas isso remete a ditadura Varguista. O FBI teve um histórico confuso também, perseguindo comunistas internamente, e atua como polícia. O elo poderia ser FBI-DOPS ou FBI-Polícias locais-DOPS.
Entretanto acho mais razoável supor (carece de verficação) que a origem do DOPS(1924) remeta a algum modelo metodológico europeu. Fora que entre 1924 e 1964 muitos ajustes metológicos podem ter sido desenvolvido internamente.
UPDATE 21-05-21Eu dei uma pausa nessa
coisa das operações de inteligência no Brasil, pra lidar com coisas mais
distantes e tranquilas que possam futuramente me servir com proxy pra entender melhor
a confusão das organizações de segurança no Brasil; tipo a relação da Mossad
com a intel Iraniana...tranquilíssimo. No mais o quadro de desigualdade economica é parecido, e na media, é mais fácil assumir uma perspectiva de observador externo.
Mas nesse meio
tempo o Jones Manoel trouxe um texto que cobre alguns buracos presentes nessa minha
discussão: França.
Eu sempre achei estranho
o papel dos EUA na ditadura brasileira, até porque no que precede a década de
60 os links da elite brasileira com os EUA são quase inexistentes. Existem
alguns, mas na maioria das vezes tem um intermédio de UK.
Enfim, a figura da
França, fecha um gap na minha pesquisa quanto ao perfil de formação do
generalato, o que provavelmente se deu através da USP instituição com a qual
militarismo brasileiro tem links interessantes, e legítimos até os dias de hoje
em projetos como Aramar e a própria relação da Politécnica com a Marinha. No
mais sigo com a perspectiva de que o problema maior na ditadura seria a base
das instituições, na tradição das policias brasileiras que vai do coronéis aos
fascismo dos anos 30 e chega aos dias de hoje com influências americanas e
francesas.
O texto citado pelo Jones Manoel Imperialismo e Grupos Armados no Brasil - Revista Opera e uma versão com meus destaques
O ponto do General Kruel, é interessante, mas não acredito que ele seja significativo,já que a próximidade com as estruturas fascistas varguistas, e mescmo com a França me soa mais intensa.Porém o FBI da década de 40 tem suas próprias questóes, mesmo dentro dos EUA.No mais, o ponto de partida que eu adoto é o Kennedy com o Aliança para o Progresso, existe o Paraguai e Vargas antes disso, mas já é uma outra linha da condução de politíca externa nos EUA, que responde mais ao fascismo do que a Guerra Fria.
Quanto a PM, dá pra mapear as origens dela e seu papel na base do militarismo brasileiro olhando o papel que essas instituições desempenham durante a Guerra do Paraguai.
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